terça-feira, 24 de março de 2015

O pai conta

O marido participou de todo o processo, desde a escolha da equipe que me apoiou, a escolha do bercinho e das roupinhas, e cada segundo do parto, portanto nada mais natural que ele tivesse muito a relatar. E parece muita coisa, porque ele é escritor, mas vale cada palavra do meu amor.



Há quem diga que uma mulher se torna mãe no instante em que engravida enquanto o homem só é verdadeiramente pai quando a criança nasce. Não poderia discordar mais. Tornei-me pai no dia que vi as duas riscas naquele teste de farmácia. Foi um momento de emoções um tanto quanto baralhadas, mas algo era muito claro – estava feliz. E assim permaneci por todos os meses que antecederam o dia 29 de janeiro. O processo do nascimento se desencadeou na manhã de 28 de janeiro. Na véspera, combinara com a Mi que iríamos acordar mais cedo – segundo os nossos padrões – para comprar a última peça que nos faltava a fim de receber A., um adaptador de mangueira para a torneira. Com o tocar do despertador, abri os olhos e mirei uma Michele muito bem acordada, sentada na cama com um brilho nos olhos. Perguntei se estava tudo bem e ela respondeu-me que sentia qualquer coisa de diferente. Senti um frio na barriga e pedi que ela falasse mais. Estava insegura se a nossa menina já vinha ou se era só um alarme falso, mas confirmou-me estar acordada desde as 7 da manhã. Eu que nunca tive talento para instintos não tive a menor dúvida, não tardava para termos um bebê a gritar em casa! No café, confirmei se sentia à vontade para ir comigo ao shopping comprar o adaptador ou se eu deveria ir sozinho. Ligou à doula, que lhe confrontou com a possibilidade de serem as primeiras contrações e sugeriu um passeio na praia. Mas seguimos com o plano de ir ao Parque Nascente. Por lá, compramos o tal adaptador, almoçamos e ainda fizemos compras no Jumbo, incluindo pratos congelados para facilitar a vida pós-parto. Do almoço em diante, sentia a Mi diferente e vez ou outra ela soltava um gemido. Questionei se deveríamos pegar um táxi correndo para casa, mas ela insistiu que não e voltamos de metro. Já andava com alguma restrição e controlava cuidadosamente o tempo das contrações com auxílio de um app – ah, a vida moderna! Dois prenúncios dos dias que nos aguardavam – no mercado, a caixa comentou a barriga da Mi e perguntou o que vinha pela frente (um bebê, oras). “É menina”, disse ela, para ouvir que ter um filho era a melhor coisa do mundo “porque quando se chega em casa muito cansado, eles salvam o nosso dia”. Na estação de metro, a futura mamãe sentou-se ao lado de uma mulher com o seu filho de uns cinco anos. Ele estava terminando de comer umas bolachas e estava completamente sujo. Sua mãe tinha apenas um papel com o qual tentou limpá-lo. Eis que a Mi saca da bolsa um lenço e lhe oferece – “Toma-o”. A senhora agradeceu e eu só conseguia pensar "A Mi está se tornando mais mãe". Uma mãe linda. E quem conhece a minha Xu sabe perfeitamente que ela não é dada a simpatias com estranhos em lugares públicos!

De volta à casa, por volta das 16:30 hs, ficamos a aguardar pela doula. A Mi tinha pedido que ela viesse ter com ela, mesmo que fosse apenas para uma massagem, caso o processo de  nascimento não engrenasse – só ela achava que poderia não acontecer. A Marta (doula) chegou por volta das 17 hs, como combinado, pronta para ficar o tempo necessário. Naquela altura, eu estava a testar o adaptador de mangueira, com alguma dificuldade. Quando a Marta apertou a campainha, eu tinha acabado de molhar tudo no corredor dos quartos porque a mangueira havia escapado da torneira. Para o novo teste, a Marta veio auxiliar-me, mas saiu de lá tão molhada quanto o chão! Achamos bem que ela tratasse da massagem e, de seguida, o ajuste na torneira do banheiro foi bem sucedido. Na sala, a Mi já tinha desistido da massagem e queria alguma medida que a ajudasse a amenizar as sensações que estavam cada vez mais fortes. Enquanto estava com a Marta, eu desci à florista realizar o último pedido de A. – rosas rosas. No retorno, a Marta disse-me que já era tempo de acionar as enfermeiras porque as contrações estavam com um espaçamento de 5 minutos, tendo boa evolução. Ligamos à Sónia que acionou a Joana para vir primeiro, em virtude do facto de morar mais perto de nós. Enquanto estava a caminho, comecei a tratar da piscina. Já estava escuro. Ao inflar a piscina com a bomba de ar, ficava a imaginar que logo mais haveria um bebê na nossa casa. A ansiedade de ver o seu rostinho e tocar naquela pessoa concreta aumentou. Desastrado como sou, não pluguei bem a bomba de ar na piscina que não enchia nunca e fazia um barulho ensurdecedor. A doula veio ver o que se passava e julgou não estar tudo direito por conta da demora. E claro que não estava. Voltamos a plugar e não foram nem 10 minutos para ter tudo no sítio. Faltava a água, mas esta viria mais tarde.

Quando a Joana (enfermeira) chegou, a Mi estava a tomar banho. Eu tratava da roupa que nossa filha usaria após a sua chegada. Separava ainda as toalhas, os cobertores, travesseiros, roupão, enfim, uma série de coisas que poderiam ter sido organizadas com calma, mas se assim tivesse corrido, não teria sido eu o pai desta história! De saída do banho, a Mi foi examinada pela Joana que apontou para os 5 cm de dilatação. Eram cerca de 8 horas da noite e parecia certo, pra mim, que A. nascia antes da virada do dia. É uma notígrafa, como o pai, pensei. Mas com o tempo percebi que palpites em processos de nascimento não são das coisas melhores a se fazer. A Marta prosseguiu com o trabalho de amenizar as sensações e eu aproveitei esta brecha para lavar a louça que se encontrava acumulada na cozinha. Passado algum tempo, foi sugerido que enchéssemos a banheira com água porque poderia estar próximo aquele momento tão desejado. E esta é uma etapa bastante conturbada. Nosso quadro e plano elétricos são antigos. A água da casa é aquecida a gás, via cilindro. Isso significa que a água quente acaba em pouco tempo e que dois aparelhos de alta potência não podem estar ligados ao mesmo tempo. Resultado? Um intenso aparato de técnicas milenares para manter a temperatura da água a níves adequados. E era preciso porque apesar de ter feito sol, o dia 28 foi tipicamnte de inverno.

Entretanto, com tudo a acontecer à volta, liguei à fotógrafa, a personagem que completa o cenário do nascimento de A. Como ela não atendeu, mandei-lhe mensagem a informar que a parte ativa já havia começado e que era preciso estar atento. Falei-lhe da dilatação a meio caminho e quando viu a minha sms, ela não hesitou, veio direto à casa. Para ela, foi também uma noite bem longa – e fria. Depois de algum trabalho com a Marta, a Mi veio estar comigo. Fomos ao quarto por um tempo, conversamos. Disse-lhe que ela estava se saindo bem – e sei que estava. Não sabia muito sobre partos, aliás, não sabia nada além desta embromation que vemos em novelas e filmes – Hollywood, contrata eu! Minha mãe teve meus irmãos mais novos no hospital e acostumei-me a vê-la sair de barriga – isto quando não estava a dormir – e voltar com um bebê ao colo. A primeira coisa que me chamou a atenção foi o facto de que as contrações, logo, as sensações, eram bem espaçadas (conforme havia estudado durante a gravidez) e que sua intensidade se esvaia no tempo entre uma e outra. Chega a ser engraçado porque num minuto a mulher está conversando contigo como se fosse um dia qualquer e noutro parece que ela está prestes a desintegrar com tamanha sensação. Foi mais ou menos assim que a Mi recebeu a Brígida (a fotógrafa). Ao ver que lá estava deu um tchauzinho e lhe disse “agora, não”! Passados alguns instantes foi à sala ter com ela, “Olá, tudo bem?”, dois beijinhos. Que granda cena.

A noite foi passando, as sensações cada vez mais constantes e fortes ficaram e a Mi resolveu que queria ir para a banheira. Nesse momento, estava a acompanhá-la de muito perto, às vezes, seguidos pela doula – sempre que a solicitamos. Houve tempo para umas fotos com o pote de Nutella, que havia retornado à casa naquele mesmo dia depois de uma greve forçada – por mim! Mas fora do nosso quarto, a novela da água prosseguia. Com as luzes quase todas apagadas ou na menor intensidade possível, a chaleira e as panelas a aquecerem água, formou-se diante de mim um cenário um bocado medieval. Afinal, era assim no passado – sem a chaleira elétrica, claro – pensava eu. A diferença é que as mulheres daquele tempo eram assistidas por pessoas formadas na prática, no quotidiano, e nós estávamos com profissionais preparadas para este momento. Na minha cabeça a cena medieval insistia – e que bonito era. A mulher a permitir aflorar a sua natureza que desabrochava ao ponto extremo, a nossa filha a sinalizar sua saída, a sua mãe a assumir-se como única transição possível, a deixar-se guiar pelo corpo, mas também pelos desejos e medos. Estivemos um tempo ainda deitados no escuro do nosso quarto a esperar pela temperatura ideal. Em alguns momentos, as sensações tomaram conta da Mi de tal forma que ela chegou a se exasperar. Disse-me que não tinha sido boa ideia ter ficado em casa, mas eu sorri e lhe disse o que sempre soube quando respeitei a decisão dela pelo parto domiciliar – vai correr tudo bem e você está sendo impecável. A nossa doula veio ter conosco mais uma vez, tratou de “resgatar o seu estado emocional”. Enfim, fomos à agua.

Era boa a temperatura, segundo a Mi. Era ainda maior a expectativa para mim. Na água, as contrações pareciam ter efeitos mais amenos. A Mi conseguiu relaxar mais um pouco, apesar de não parecer desligada de onde estava e com que estava em momento algum. Algumas contrações mais fortes, um ou outro pequeno puxo, mas não era tempo. O que parecia ser um parto muito rápido sinalizou mudança para um tempo prolongado. A. ainda não estava pronta para vir. Ficamos cerca de uma hora na banheira, fotógrafa a postos, enfermeira e doula a assistirem. A Mi resolveu que precisava sair da água. A tarefa primordial da noite volta à cena – manter a água aquecida para a próxima entrada. Chegamos ao dia 29 de janeiro, eram cerca de 1 h da manhã quando deixamos o quarto do parto, hoje, o quarto da A.

Aqui começa o momento mais intenso de toda a recepção da nossa menina. Com contrações muito menos espaçadas, o desgaste das horas e do tempo acordado – lembremo-nos de que a Mi acordou às 7 da manhã do dia anterior – os limites maternais começaram a ser testados. Houve novo momento de recusa por parte da futura mamã das suas escolhas, “acho que substimei a dor”. Insisti que A. viria como ela sonhara e que até aquele instante ela portava-se incrivelmente. Não havia com o que se preocupar. Com as sensações a manifestarem-se intensamente, voltamos à sala. A Mi falava em vontade de puxar. Sentou-se no sofá. A doula cuidava de confortar o corpo, eu tentava segurar o emocional e as enfermeiras passaram a prepararem-se para um possível parto no sofá. Alguns gritos, muita intensidade no ar, no sofá, no corpo. A casa era uma sintonia só. Comigo mesmo, indagava que gracioso seria ver uma criança transgredir mundos em pleno sofá, convenci-me novamente que ali conheceria a minha pequena, mas nada, era só mais uma fase. Desgastada, a Mi preferiu ir ao quarto. Tentou dormir, mas não era possível. Nova baixa emocional, novos apelos meus e da doula. Aquele processo de nascimento passava a doer em mim. A estranha sensação de incapacidade diante da vida, literalmente. Poderia eu fazer algo? Queria compartilhar as contrações, apenas para vê-la bem. E a Mi estava bem, mas eu nem sempre me convencia, ainda que lhe oferecesse sempre um olhar de aprovação, de sucesso. Nesta etapa, o trabalho da doula teve o seu cume. A Marta foi irrepreensível e quando a Mi hesitou ela lhe resgatou a confiança e a guiou de volta para o seu caminho de encontro, de reencontro com A. Acho que foram as horas mais longas da minha vida. A Mi pede para voltar à banheira.

Não sei bem a que horas retornamos, o tempo enquanto registo era só um pormenor agora. As mães é que entram numa nova dimensão no processo de nascimento, entretanto, os pais, quando atentos, acabam por se perder útero afora. Nesta fase, eu já estava muito cansado também, sentia fome, sono e os sentimentos andavam agitados com a espera. Entre uma contração e outra, no escuro do quarto, iluminado apenas por abajures, a pedido da Brígida devido à necessidade de um mínimo de luz para as fotos,  a Mi pediu para que conversasse com ela. E eu estava tão conectado com outro lugar qualquer, onde provavelmente procurava por A., que fiquei totalmente perdido. Quer conversar? Han, ok, vamos lá. O que eu digo agora, pensava eu. Só me apetecia lhe olhar e fazê-la sentir que estávamos juntos nisto e que daria certo. Não havia espaço para criatividade e ousei falar de coisas que poderiam ser engraçadas. Mencionei o pezão que a bebê teria, como havia previsto a obstetra, se ela teria pés tão feios como o resto da família, etc. Mas a futura mamãe sinalizou que era um tópico inapropriado “Você não está ajudando!”. Oops, para onde vamos agora, indaguei-me. Ora, vamos por onde sei navegar melhor – o mundo. E que tal as viagens que faremos. Será que A. nos acompanhará a Budapeste? E que tal quando formos ao Rio dentro de alguns meses. Já estará grande? Não deve ter sido a opção favorita da Mi, mas roubou-lhe um tempo de exaustão até a próxima contração latente. A Marta entrou em cena para acudir-me e, devagar, mas com segurança, fomos conduzidos à fase final.

As cortinas estavam fechadas, luzes apagadas, mas se percebia a movimentação do amanhecer lá fora. Foi uma fase de sensações intensas, muitos gritos e preocupação zero com o mundo exterior. Tudo estava ali, acontecendo, evoluindo, transgredindo. Depois de uma madrugada intacta, a bolsa finalmente rompeu na água. A Mi preocupou-se com o tempo que tinha para estar ali e internamente eu confesso que só pensava, por favor, mais dezessete horas, não! A nossa pequena entendeu as vibrações, que certamente compartilhava com a sua mãe. A Sónia arriscou dizer que ela chegava até às 8 hs da manhã – não sei a que horas fez a menção, umas 7 e 30, talvez? Cansada, parecia que em alguns momentos a Mi não respirava exatamente como era preciso, mas as intervenções da equipa foram muito cuidadosas, sempre naquele tom “permita-se sentir”. Houve momentos de mudança de posições na água, mas foi sentada, com os joelhos inclinados e a cabeça reclinada para trás, ao meu encontro, que a Mi recebeu A. Num novo momento tenso, alguém pediu que a mamãe sentisse com a mão a sua vagina. Já ali estava a cabeça da nossa mais nova guerreira. Foi um momento bonito, animador e um marco para que eu voltasse a acreditar que estava mais perto – porque sim, às vezes, eu duvidei! O coração bateu mais forte, as contrações da Mi também o ficaram, assim como os gritos. Na água, já se notava alguns cabelos a esvoaçar, ainda que eu não tivesse clareza de que era mesmo a nossa menina. E o era. A fotógrafa foi ficando mais focada, a Joana checava o coração do bebé entre um puxo e outro, a Sónia preparou-se para filmar e a doula entoava o seu canto de que tudo corria bem, enquanto eu segurava a mão da minha esposa com bastante força – ou terá sido o contrário. Nesta etapa, também me veio à mente a eterna comparação da mãe às leoas, um paralelismo, quiçá. A cada novo grito, percebia que a Mi diante de mim não era a mesma Mi com quem me casei pouco mais de um ano atrás. Não o era àquela da noite anterior. Estava ali à minha frente, uma mãe, uma guerreira, uma guardiã. A. arriscou-se sair e o mundo se redimiu a nos acompanhar. O tempo não parou, pelo contrário, transbordou. Ainda foram alguns momentos. A Mi pedia que ela saísse, que alguém a retirasse, mas só a bebê é que poderia encerrar o seu processo de nascimento. E o fez, alguns minutos depois, quando já me escorriam as lágrimas e o coração era o meu corpo todo. Nos braços da mãe, a menina mais linda de sempre hiponotizava a sua progenitora. Juntos, acompanhamos os primeiros movimentos de A. e tudo o que interessava era acolher aquela pequena criatura. A natureza em sua divindade completava mais um ciclo, estava concluído o rito da passagem, eternizando em nossa memória a alegria da vida. Frágil, delicada e intensa. É como diz o dito popular, quando o amor não cabe, ele transborda. O detalhe final ficou por conta do corte do cordão umbilical que eu acabei por fazer. Antes, tinha dúvidas de que teria vontade, capacidade ou controle para tal. Ali, soou-me como um passo natural, menos instrumental. Cortei então o cordão, não para separar, mas para unir. Agora, somos 3. E juntos, cresceremos. Bem-vinda, A.!


domingo, 22 de março de 2015

Relato de parto da mãe da A.

Preciso começar este relato dizendo que meu parto foi incrível. Foi domiciliar, assistido, na água e muito intenso. Preciso dizer também que ele reflete o que EU decidi, junto com meu parceiro, e de forma nenhuma tem a intenção de substituir a SUA pesquisa para decidir o tipo de parto que é melhor para VOCÊ. Também é de nota que não sou mais mãe que ninguém, já que via de nascimento não quer dizer nada nesse quesito.

Continuando. Decidi que seria em casa antes mesmo de engravidar, após assistir ao documentário O Renascimento do Parto, porque só então descobri que isso era possível. Quando o teste deu positivo, começou a pesquisa. O marido reagiu com desconfiança quando manifestei minha vontade e assistimos ao documentário juntos. A reação dele foi muito boa – tinha a impressão de que parto era sofrimento, foi o que ele viu nas novelas. Mas quando viu que era possível rir durante o trabalho de parto, que não era uma urgência médica nem uma doença, a ideia pareceu boa. Chegamos num acordo e montamos a equipe que me assistiria: uma doula e duas enfermeiras.

As contrações começaram no dia 28 de janeiro (de 2014), por volta das 6 ou 7h da manhã. Íamos ao shopping comprar uma peça pra mangueira, necessária para encher a piscina, era só o que faltava pro parto. E quando o marido acordou, contei que estava sentindo algo estranho que eu achava serem contrações. Cronometrei enquanto tomava café, intervalos de 6 a 8 min. Liguei pra doula, pra que ela ficasse atenta e fomos pro shopping. Não queria ficar em casa, ia enlouquecer. Compramos a peça, almoçamos, vimos vitrines, fomos no supermercado. Então, no caminho pra casa, as contrações ficaram mais fortes. Pedi pra doula nos encontrar em casa, precisava de uma massagem. Quando ela chegou, eu já tinha desistido da massagem relaxante, queria pressão em alguns pontos específicos.

Ela contou os intervalos entre as contrações e disse que devíamos avisar as enfermeiras. Já estava em 5 min. Tudo parecia surreal. Finalmente minha filha estava chegando? Não, acho que não. E ficou o medo de que o TP não evoluísse.

Pedi boas vibrações a amigos no Facebook e ainda avisei a família no Whatsapp.

Fui tomar um banho quente. Uma das enfermeiras chegou e me examinou quando saí do chuveiro. Dilatação de 5 cm e a bolsa tensa, parecendo que ia romper a qualquer momento. Eu deveria me preparar para quando ela rompesse - porque tudo ia ficar mais intenso. Conversei com a bebê. Se ela tivesse pressa, podia romper a bolsa, e eu aguentava o "intenso". Se ela quisesse nascer empelicada, podia ficar quietinha e eu aguentava o TP, mesmo que ele fosse mais longo.

Meu excesso de controle não me deixou entrar na partolândia quando eu devia. As contrações eram exaustivas. Chorei no ombro do marido no nosso quarto após uma contração. Não vou conseguir. Ele me olhou, lógico que consegue, olha como você tá tirando de letra isso tudo.

Chorei mais tarde com a doula, após outra contração, também no meu quarto. Eu não consigo, é mais forte do que eu. E novamente as palavras de incentivo, e o lembrete de que tantas mulheres já fizeram isso antes, e esse é o seu corpo, deixa ele trabalhar.

Eu tentei deixar. Tentava me abandonar nas contrações. Imaginava meu corpo se abrindo, como uma rosa. Vocalizava pra ajudar. Repetia frases para me manter no momento.

Quando parecia que já não havia intervalo entre as contrações, fui pra água. Senti um alívio imenso, mas não durou muito. Saí da água. Deitei no quarto, abraçada com o marido. Mas eu não conseguia relaxar.

Andei pela casa. Voltei pra água. E então começou. Veio aquela vontade louca de fazer força e eu fazia. Não devia, não precisava, já nem lembrava o que tinha lido a respeito. Eu devia ter me entregado, demorei tanto pra me entregar. Fiz toda a força que me restava, acho que tinha pressa em confirmar se enfim minha bebê chegaria (sim, eu ainda tinha dúvidas). As enfermeiras me pediam pra ter calma, que não havia pressa. Alguém disse que eu estava fazendo força da forma errada. Me indicaram o ponto no corpo onde eu devia me concentrar.

Fiz mais força e nada. Desisti. Chorei e disse que não conseguia. Chorei tanto. As palavras de encorajamento voltaram. A fotógrafa ainda disse algumas coisas doces sobre a minha A. Ela estava chegando, não havia muito o que fazer. Alguém segurou minha cabeça e minhas pernas, numa posição em que finalmente relaxei. Não lembro de muita coisa a partir daí, porque enfim me entreguei. Fiz menos força quando a vontade veio. Fui no ponto certo. Meu corpo funcionou. Eu consegui. Primeiro, saiu a cabeça. A vontade de fazer força demorou para voltar. As enfermeiras falavam para eu colocar a mão, mas não queria tocar, queria ela por inteiro. E então veio tudo, a vontade, a força e a minha A.

Depois que a enfermeira a colocou nos meus braços, esqueci tudo, esqueci que tinha duvidado tanto. Que era o momento, que meu corpo faria tudo, que eu conseguiria.

Foram 15h de muitas dúvidas. E com ela nos meus braços, nasceu a mãe da A. Como eu consegui, meu Deus? Na minha cabeça, tanta coisa tinha ido mal. Com a A. nos braços, tentei rever essas horas todas e descobri como o parto muda a gente. Concluí que sou guerreira e muito corajosa, sim. Mas não por ter parido em casa ou sem anestesia. Sou guerreira e corajosa por ter enfrentado meus medos e vencido. Por ter aceitado como meu parto foi incrível. Por ter me aceitado.




Carta à bebê - registro de 23 out 2014

A.,

Você está aqui dentro há 25 semanas. E é a pessoa que mais amo nesse mundo. Você foi muito desejada, por mim e por seu pai, antes mesmo de ser concebida. Por algum tempo depois de grávida, me debati com questões quase espirituais – era certo trazer alguém a esse mundo, tão frio e cruel? Um avião comercial derrubado no meio de uma guerra, crianças fuziladas numa praia... E seu pai me disse que você era necessária a esse mundo, que você traria amor. Ele tinha razão (mas não conta pra ele, ele fica todo "haha, eu disse" quando tem razão).

O momento que eu mais queria que chegasse era o parto (falo no passado imaginando que você está lendo isso depois de grandinha, mas é estranho, porque você ainda está aqui dentro e falta um tempinho até nos conhecermos). Algumas mulheres têm medo do parto – especialmente da dor. Nunca tive medo da dor. Não porque sou corajosa nem nada assim, porque tenho sim medo dessas coisas... se não, ficava enfiando o dedo na tomada, né. Na minha cabeça, a dor do parto era algo tão subjetivo que por mais que algumas mães me dissessem "ai, é a dor da morte", eu não acreditava. Primeiro, por essa subjetividade, porque o limite de dor delas não é necessariamente o meu. Segundo, porque essa dor, se ela vier, não será uma dor contínua – são as contrações que causam a dor, e elas vêm e vão. Terceiro, não faz sentido pra mim que uma coisa tão necessária – as contrações – e que culminará na sua chegada seja algo ruim. Resolvi que vou abraçar essas sensações, sejam elas dor ou prazer.


Eu conversei pouco contigo na barriga, porque a ideia de que você está aqui dentro ainda é surreal. Já tive alguns meses pra me adaptar à ideia, mas, menina, não tem como. É dificil acreditar que tenho você todinha pra mim, o tempo todo. E prevejo que quando você sair e começar a fazer barulho, xixi e cocô, vou ter meus dias de "ai que saudade de quando ela era quietinha". Não se chateie por isso, que vou ter saudades o tempo todo. Fico imaginando que o momento em que nos encontrarmos será tão incrível que nada nessa vida me causará mais saudade do que o parto.


Começando pelo começo - estou grávida!

Esta gravidez foi planejada e mais do que isso, muito desejada. Vamos começar pelo começo. Meu marido e eu resolvemos ter um filho. Por algum tempo pensamos que precisávamos de estabilidade para isso acontecer, o que implica em comprar uma casa, ter um emprego CLT, etc. Mas o momento em que estamos é muito diferente, ele fazendo um doutorado num país estrangeiro, eu acompanhando e trabalhando de forma autônoma. Então, vamos ter um filho agora e faremos o melhor para cuidar do bichinho. Dinheiro se arruma e amor não vai faltar.

Em algum momento em maio, achei que algum problema de saúde estava dificultando as coisas. Resolvi que no ano que vem procuraria um médico e pronto, era isso, não engravidaria em 2014. Então, surgiu um curso que me atraiu – Tradução Literária em uma editora, de Dublin. O curso seria presencial e duraria 3 meses, começando em junho. Comprei passagem, fiz a mala. Apareceu, é claro, um projeto imenso cuja data de entrega era 7 de junho, data da viagem.

Eu andava com uma infecção urinária. De vez em quando tinha, e por isso sempre tive uns antibióticos comigo. Eu sei, automedicação, que coisa feia. Mas como era raro, era apenas uma emergência. E desta vez, eu recusei me automedicar. Relutei por uns 2 dias com dor, se ia ao médico ou tomava logo o remédio. Com a menstruação atrasada, era algo difícil de decidir. Nunca fui um reloginho, mas algo estava diferente e eu não sabia bem o quê. Fui à farmácia, comprei um teste de gravidez e veio o primeiro resultado negativo. O objetivo era ter certeza de que eu podia tomar os remédios, mas ainda assim não consegui.

O Thi conseguiu o contato de uma médica que aceitava nosso seguro de saúde e agendei pro dia seguinte. Comprei outro teste de gravidez e veio outro resultado negativo. Na consulta, mais um teste de gravidez, outro resultado negativo. Durante o exame, a médica disse que o colo do útero estava mole e esse era o primeiro "sintoma" de gravidez, a primeira forma como o corpo reagia. Mas o teste deu negativo, o que se passa? Ela me pediu calma, disse que cuidaríamos de uma coisa de cada vez. A infecção era o mais urgente agora. Me receitou um antibiótico fraco, um pó que eu deveria dissolver num copo com água e tomar por duas manhãs. Também me receitou uns comprimidos para "ajudar" a menstruação a vir (e ela disse que viria se eu não estivesse grávida), uns comprimidos pra dor e ácido fólico ("afinal, quer engravidar, certo? então temos que começar a cuidar do seu corpo"). Tomei tudo conforme a orientação da médica. No mesmo dia, a dor já era menor. A infecção sumiu no dia seguinte.

Numa terça-feira, tivemos a consulta de retorno, onde apresentei os resultados dos exames. A menstruação continuava atrasada. Os resultados foram bons, sem qualquer problema. No sábado, eu viajaria para Dublin, onde ficaria por 3 meses por conta de um curso em tradução literária. A médica sabia. Perguntei o que deveria fazer se a menstruação não viesse em uma semana, e ela disse para falarmos sobre isso depois. Me passou o número do seu celular e seu email, para mantermos contato e ela poder me orientar à distância.

No sábado, 7 de junho, era o dia de viajar. Eu estava finalizando uma tradução, enquanto o marido me ajudava a fazer a mala. Pedi que ele comprasse algumas coisas pra eu comer no caminho, para não enjoar. E pedi que comprasse um teste de gravidez. Por pelo menos um mês, fiquei repetindo pra ele "quer ver que vou descobrir que estou grávida só quando estiver em Dublin?". Ele ria.

Chegou em casa com o teste e um presente, um coelho de pelúcia que batizou de Sofia. Fiz o teste e deixei descansando na minha mesa, enquanto trabalhava. E esqueci. Depois de algum tempo, o Thi chegou, olhou o teste, me olhou... Perguntou se eu já tinha visto. "O que foi?", perguntei, ao que ele respondeu "Deu positivo". Pensei comigo "impossível". Peguei a caixinha pra rever os resultados. Peguei o stick e fiquei encarando por um tempo. Ele ligou pra mãe pra contar, uma amiga foi nos visitar e contamos para ela também (que teve a brilhante ideia de fazer um teste que indica o tempo de gravidez). E contamos para minha mãe.


Gente, deu mesmo positivo.




quinta-feira, 12 de março de 2015

Maternagem Consciente

1º Encontro da Maternagem Consciente

Um congresso online de interesse para gestantes, mães e pais, abordando assuntos como maternidade, criação com apego, gênero, identidade, entre outros. É online e gratuito.

Página no Facebook aqui e página para inscrição no encontro aqui



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Maternagem é um termo novo pra mim. Só entrei em contato com ele depois que minha bebê nasceu, acompanhando páginas e grupos no Facebook sobre essa tarefa loka de ser mãe.

E eis a definição que entrei, em comparação com maternidade:



Maternidade = qualidade ou condição de ser mãe, laço de parentesco que une mãe e filho.
Maternagem = cuidados próprios de mãe, materno, afetuoso, dedicado, carinhoso e maternal.
(a fonte é esta)

Neste blog, me proponho a refletir e registrar minhas experiências com a A., minha bebê linda, que chegou bagunçando geral no dia 29 de janeiro. A intenção é organizar as ideias e deixar um registro pra A. Do tanto que a desejei. Do tanto que as coisas mudaram. Do tanto que a amo.